Crítica | Miss França


Miss França mostra uma busca quase impossível mas acalentadora para o encontro de si por uma pessoa LGBTQIA+ que quer ser Miss França, com final surpreendente e reconfortante. Por algum motivo eu já sabia que precisava ver Miss França. O longa me deixou completamente anestesiado, emotivo (leia-se choroso) e orgulhoso por toda simbologia que traz do início ao fim. E também pela tentativa acertada de trazer minimamente como é de fato o Miss França: grandioso, que em meio às mudanças necessárias no meio, consegue se sobressair e buscar renovação (ainda que careça de mais mudanças, como já fez o Miss Germany). 

A comédia dramática que conta a história de Alex (Alexandre Wetter), um menino que desde criança almeja ganhar o concurso de beleza de seu país que até hoje é mega valorizado em territórios franceses (particularmente, dos concursos tradicionais, é o melhor certame do mundo, e não preciso falar francês para assistir e vibrar pelo show que eles fazem anualmente). Órfão, ele vive em lares temporários e já adulto se estabelece ao lado de uma família excêntrica com imigrantes indianas, uma dona que aparenta ter coração duro, dois homens que gostam de tecnologia, enquanto faz faxina em uma academia.

Imagem: Divulgação/ Pandora Filmes

Com biótipo andrógino, aos 24 anos ele reacende seu sonho de criança e vai em busca de ser a Miss França 2020 (concurso que originalmente ocorreu em 2019, igualmente na época das gravações). Ao avançar por cada fase, Alex (que a essa altura obviamente esconde sua identidade masculina e é a encantadora e magnífica Alexandra) entra em um mundo de descobertas: estar no Miss França é andar por um caminho de exigência, alta sofisticação e apreciação do belo, mas acima de tudo é, para ele, o encontro de si mesmo e o que o torna genuinamente feliz. 

O final de Miss França é surpreendente e eu não esperava. Talvez eu me emocionei tanto e em várias partes, por entender quem estava ali, Alex, mesmo sendo uma figura fictícia. Se hoje sou apreciador do mundo miss, não foi por algum momento almejar isso ou aquilo, até porque sei que seria impossível (como falaram para Alex no filme), também por ser homem cis e pessoa LGBTQIA+. Realmente nunca pensei, diferente de Alex. Mas me deixo envolver nisso pela conexão. A mesma conexão que eu tive com Alex, de torcer genuinamente, acreditar, vibrar. Pensar “é isso aí” quando a personagem fala “o concurso não é só beleza” ao desacreditá-la em sua vitória. 

Imagem: Divulgação / Pandora Filmes

Foi a que tive quando a candidata de um concurso estadual caiu no palco em 2015 e genuinamente eu só pensei em ir no último post dela, no Instagram, e escrevi uma mensagem de apoio. Talvez Miss França possa não retratar com fidelidade a realidade (e não é sua proposta, imagino), já que seria bastante difícil uma Alexandra na vida real seguir adiante no concurso – se fosse no Miss Germany, Alex nem precisaria escolher um gênero para competir, já que a organização aceita pessoas trans e não-binárias. – Mas aqui, é a representação que importa sendo entregue lindamente. Alexandre Wetter entrega uma das melhores atuações que já vi em estreias como protagonistas. Teve entrega, valorização, sentimento. Era perceptível. 

Se eu fosse dono do Miss França atual e tivesse uma pessoa não-binária candidata como Alexandra com toda evolução apresentada, evidentemente ficaria orgulhoso com sua vitória. E falando em Miss França da realidade, que espetáculo e esforço do diretor Ruben Alves em ser o mais fiel possível ao certame francês. O formato, o show, as faixas, a ilustração da grandiosidade. Quando vi dois rostos familiares não pude pensar em outra coisa a não ser exaltá-lo por querer aproximar de fato o Miss França fictício do verdadeiro.

Imagem: Divulgação/ Pandora Filmes

O longa levou a própria Miss França 2002 e atual diretora do concurso nacional Sylvie Tellier, e a belíssima Miss Tahiti 2018 e Miss França 2019 Vaimalama Chaves para viver ela mesma durante seu reinado. Esta última, aliás, que escolheu não competir em nenhum concurso quando foi eleita em dezembro de 2018. Algo que admiro muito no concurso francês: eles não parecem exigir das vencedoras que elas vão obrigatoriamente ao Miss Universo ou Miss Mundo. Por fim, eu não sabia que precisava ver Miss França até assistir.

Evidentemente é o tipo de filme que quero ver sempre para me trazer conforto, esperança e orgulho. Dá sim para retratar o mundo miss e histórias LGBTQIA+ com aspectos positivos e, hoje, não acho que deveria ter sido outro nacional a não ser o francês e com a história de Alex. Miss França estreou nos principais cinemas brasileiros em maio de 2022, mais de dois anos após ser exibido na França pela primeira vez em janeiro de 2020. Você não pode deixar de ver e olha que nem falei da diretora Amanda (Pascale Arbillot) e a travesti Lola (Thibault de Montalembert), e certamente vai rir das piadas e momentos cômicos como as misses decepcionadas pela viagem de avaliação ser para recolher lixo na praia e não um resort. 
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