Crítica | Vale Night


Vale Night estreia nesta quinta-feira (17) nos cinemas brasileiros e traz o seguinte combo: diverte, adverte e leva uma necessária reflexão aos espectadores, além de mostrar uma real favela. Talvez seja estranho para a maioria dos fãs de cinema sem contato com favelas no Brasil, encontrar em uma produção audiovisual uma vivência real: pessoas com histórias únicas que permeiam e se multiplicam facilmente entre a realidade, sem apresentar a violência em que esses locais, residência de milhões de brasileiros, são reduzidos diariamente em programas policialescos, e o filme tem esse poder. Dirigido por Luiz Pinheiro, a comédia dramática acompanha um jovem casal da periferia de São Paulo que já tem um filho e, no desafio que essa grande responsabilidade exige (que vai quase exclusivamente, assim como no Brasil real, para a mãe), nos mostra as abdicações (ou não) que cada um deles se mostram dispostos a fazer. Contando, claro, com boas doses de momentos cômicos.

Daiana (Gabriela Dias), é uma jovem de 17 anos super antenada e que estudava e participava de um grupo de dança, antes de engravidar do Vini. Personagem vivido por Pedro Ottoni, nome que tem tudo para se estabelecer no audiovisual brasileiro, Vini é dois anos mais velho que Daiana. Os dois se conheceram na escola e engravidaram “sem querer” (afinal, quem planeja ter filhos sendo tão jovens e com tanta coisa para se viver no momento, por exemplo, terminar o ensino médio?). Ele é barbeiro na comunidade e, diferente de Daiana, não abdicou de tanta coisa na própria vida após ter virado pai por acaso.

Imagem: Reprodução/ Vista Buena International

A dinâmica dos dois mostra bom entrosamento. Daiana pode ser facilmente reconhecida como nossas mães, principalmente se sua mãe também for preta (como a minha é). Quem em sã consciência deixaria seu filho bebê sob os cuidados do pai, que lamentavelmente se mostra um completo incapaz de fazer o mínimo? Não deveria ser assim, mas é o que infelizmente acontece na realidade. E Daiana sabe disso. Quando se vê em conversa com a mãe Regina (vivida pela maravilhosa Maíra Azevedo), sua maior incentivadora para voltar à escola, para ser convencida a deixar o filho com o pai, ela mostra uma preocupação justa. Que fará todo sentido.

Isso porque Vale Night, na sua expressão literal, pode ser encarada como uma “folga” do cotidiano, uma saída básica da rotina tão cansativa e repetitiva, neste caso, de ser mãe ou pai. Só não sabíamos que os dois iriam querer pegar esse merecido descanso simultaneamente (na verdade, merecido apenas para Daiana, que aceita visitar a avó com a mãe após meses). Vini no primeiro dia parece cansado da rotina de ter colocado o filho no mundo e sai com o filho para um baile funk na rua após ficar entediado. Aproveitando um cochilo do filho, ele resolve curtir o som, até se dar conta de que a criança sumiu: estava na bolsa da amiga DJ Pulga (Linn da Quebrada), que saiu do local após se encontrar com Linguinha (Yuri Marçal) e usar uma droga “diferente” indo a caminho da sua estreia na badalada festa Batekoo.

Imagem: Reprodução/ Vista Buena International

A partir daí a saga vira uma verdadeira busca ao tesouro, neste caso um bebê, sem que Daiana saiba o que está acontecendo. Sem ela saber em meio a trama, mesmo com conversa por telefone com Vini, pois a mesma já tinha o sentimento de que algo estava ocorrendo. Era evidente que ela carregava isso antes de sair de casa, como se fosse literalmente uma vidente. Mas ela estava sendo apenas previsível e conhecedora do parceiro. Com várias sequências cômicas, o trio de amigos acaba procurando o garoto, enquanto nesse meio tempo, após ter sido convencida a ir à casa da avó, Daiana é convencida por uma amiga a ir para a Batekoo. Sob fortes emoções, o filme termina talvez de forma abrupta, sem ser explorado de fato a grandeza que poderia ter sido (não que isso me impediu de ficar levemente emocionado). A mensagem final traz dados reais sobre gravidez na adolescência, evasão escolar e suas diferenças entre homens e mulheres, e nos leva a uma reflexão necessária.

Vale Night conta com uma trilha sonora recheada de funk, incluindo nas vozes de Karol Conká e Glória Groove, e só por isso já merece sua ida ao cinema para ver um Brasil talvez pouco conhecido ou não conhecido da forma humanizada como merece. O filme estreia nesta quinta-feira (17) nos cinemas de todo o Brasil. Produzido pela Querosene Filmes e distribuído pela Buena Vista International, o longa ainda conta no elenco com as participações de Jonathan Haagensen, Neusa Borges, Sol Menezes, Lenita Oliver, Geraldo Mario, Natallia Rodrigues, Iara Jamra, Thiago Pinheiro e Digão Ribeiro. Confira o trailer abaixo e lembre-se: se for ir ao cinema, use uma boa máscara como as do tipo PFF2 ou N95 e busque manter distanciamento, se possível.
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