Crítica | Veneza


Em tempos em que realizar sonhos parece tão distante, filme de Miguel Falabella prova o contrário e nos permite manter acesa a chama dos sonhos mais impossíveis


No último mês estreou em cinemas de todo o Brasil o aguardado longa “Veneza” (2019), que fora destaque em diversos festivais como o de Gramado (RS) ainda em 2019. O mais novo projeto de Miguel Falabella como diretor consegue prender a atenção do espectador junto ao sonho da protagonista Gringa, vivida pela renomada atriz espanhola Carmen Maura, musa do cineasta Pedro Almodóvar e vencedora do prêmio de Melhor Atriz por Volver (2006) no Festival de Cannes.


Apesar de ter em mãos um orçamento limitado e apenas 28 dias de produção no Uruguai e três dias na Itália, o filme não deixa de apresentar uma excelente história com ótimas atuações. É destaque também os vários pontos de conexão que podemos fazer com a realidade, para além dos sonhos que cada um carregamos com nós mesmos. Seja a característica interiorana com certo “atraso” com temas mais contemporâneos abordando até mesmo de forma não central a homofobia, seja com a própria reprodução do que imaginamos ser um bordel no interior do Brasil.


Imagem: Reprodução/Imagem Filmes

Baseado em peça teatral homônima do autor argentino Jorge Accame, que Falabella também havia adaptado para os teatros brasileiros no começo dos anos 2000, o longa Veneza usa com delicadeza e riqueza o recurso de voltar ao passado, principalmente para explicar o surgimento de um enorme desejo de Gringa que ainda jovem já se prostituía. Isso tudo, claro, sem embaralhar com o presente.


Depois que foi pedida em casamento, Gringa decide fugir sem rumo, mas carrega consigo as palavras do seu prometido, Giacomo (Magno Bandarz), para que eles se encontrem em Veneza. Carregada pela culpa do abandono, ela passa toda sua vida rememorando sua própria história e a cada dia que passa sua vontade de ir para Veneza e encontrar o amado aumenta. Já de idade e cega, resta à cafetina explorar o imaginário e confiar nas pessoas, mesmo que poucas. 


Imagem: Reprodução/Imagem Filmes

Uma delas é Rita, vivida por Dira Paes, que na angústia de ver a pessoa que a acolheu padecer por não conseguir reencontrar o único homem que amou na vida, se compromete a realizar esse último desejo. Ela se junta a Tonho (Eduardo Moscovis) e também as prostitutas Madalena (Carol Castro), Jerusa (Danielle Winits) e Mocinha (Laura Lobo), que mesmo com suas próprias frustrações e desejos, embarcam na jornada fantástica do grande sonho de Gringa, que as acolheu quando elas mais precisaram. 


Dentre ida à agência de viagem, choque de realidade pelo preço de passagens e a certeza do sonho de Gringa ser fora da realidade para as condições financeiras do grupo, o filme ganha um ar de fantasia com o plano que eles organizam para deixar Gringa realizada, o que inclui até enormes sacríficos e colaboração com o circo da cidade. 


Imagem: Reprodução/Imagem Filmes

Muitos momentos me marcaram. Um deles foi a parte em que o grupo se reúne em volta de uma mesa com um mapa-múndi e todos ficam procurando minuciosamente a localização de Veneza, na Itália, a famosa cidade flutuante. Outra cena que talvez justifica a necessidade que Gringa tem em rever Giacomo, está na despedida deles em um trem em que o amado diz que vai esperá-la em Veneza por “toda minha vida”. Para além de encantos como esses, é preciso destacar o enorme protagonismo feminino que o filme possui. 


E seu desfecho é emocionante. Cada passo do plano que é colocado em prática com a união das pessoas em volta de Gringa fazem valer cada minuto e cada lágrima derramada com o resultado, para aqueles que se emocionam com certa facilidade, como eu. Todo tom realístico apresentado também nos leva a reflexões do significado de família: os personagens tinham eles e a si próprios para buscarem ajuda. A quem caberia realizar seus sonhos sem união e a força de um ao outro? Não tenho dúvidas de que vou ver novamente esse filme assim que possível. 


Imagem: Reprodução/Imagem Filmes

Com distribuição da Imagem Filmes para todo o Brasil, Veneza ainda está em cartaz em capitais como São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES) e Salvador (BA). A produção é de Júlio Uchoa, da Ananã Produções. A coprodução foi feita pela Globo Filmes e FM Produções. Se você for ver esse filme nos cinemas presencialmente, não se esqueça de usar boa máscara e manter distanciamento social, mesmo se já estiver imunizado. 

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