Crítica | Libelu - Abaixo a Ditadura


Documentário sobre tendência estudantil surgida em 1976 mostra relatos de corajosos jovens que gritaram “Abaixo a ditadura” anos após o AI-5 da ditadura iniciada em 1964 e possibilita reflexão sobre semelhanças com nossa atualidade


O longa-metragem “Libelu - Abaixo a Ditadura” (2020) retrata a trajetória de um grupo trotskista que atuou na luta contra a ditadura militar no Brasil que perdurou de 1964 até 1985. Ancorados na tendência estudantil “Liberdade e Luta” (Libelu), esse grupo trotskista era uma pequena fração de integrantes universitários da Libelu que também faziam parte do grupo clandestino da Organização Socialista Internacionalista, mas que juntos fizeram o movimento crescer nacionalmente. 


O filme se passa quase inteiramente em locação única com entrevistas de integrantes da Libelu realizadas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Gosto que pela proximidade com o ambiente da USP, onde estudo, eu consigo criar e estabelecer ainda mais laços com os entrevistados. Da enorme lista de ex-libelus temos notáveis nomes do cenário político, artístico e cultural do Brasil de hoje.


Créditos: Divulgação/ Boulevard Filmes


Para citar alguns, temos Ricardo Melo, jornalista e ex-presidente da EBC; Julio Turra, assessor político da CUT e um dos fundadores da Libelu; Demétrio Magnolli, sociólogo e comentarista da GloboNews; Laura Baptista Capriglione, repórter do Jornalistas Livres; Cadão Volpado, escritor e vocalista da banda Fellini; Reinaldo Azevedo, jornalista; Eugênio Bucci, professor da ECA-USP; Cleusa Turra, jornalista; e até mesmo Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, que fez parte da Libelu de Ribeirão Preto e concedeu entrevista em sua casa, onde cumpre prisão domiciliar.


Foi interessante perceber que, mesmo que eu não tenha (infelizmente) quase nenhuma participação nos movimentos estudantis da minha faculdade, assistir o documentário e escutar o relato dessas figuras, me fez enxergar a importância dessas movimentações e o quão grandes elas podem ser, além de que fiquei com um leve sentimento de talvez ter perdido oportunidades de ter atuado mais politicamente.


Créditos: Divulgação/ Boulevard Filmes

Criado em 1976, a tendência estudantil retratada ganhou forte projeção por ter sido o primeiro grupo a retomar os gritos “Abaixo a ditadura” desde que foi instaurado o Ato-Institucional 5 em 1968. 


Seus ex-dirigentes, figuras de base do movimento e pessoas com diferentes participações na militância, contaram, em entrevistas feitas entre 2018 e 2019, como eles se envolveram dentro da Libelu, relatando a fama que eles tinham para além da luta contra a ditadura militar, como a de que eles faziam as melhores festas do movimento estudantil.


Créditos: Divulgação/ Boulevard Filmes

No documentário, também é possível ver a proporção que o movimento tomou sendo referência inclusive em uma novela da Band em 1979 e com dirigentes concedendo entrevistas para um programa de televisão da TV Tupi. 


Certamente um dos momentos memoráveis do filme foi quando foi mostrado a capa de uma revista que dizia “Libelu: o charme da esquerda adolescente” e os entrevistavam comentaram, alguns dando risadas. Hoje, se formos olhar posicionamentos de parte dos entrevistados, vemos que eles nem sequer se identificam como de esquerda e esse contraponto também aparece.


Créditos: Divulgação/ Boulevard Filmes

Apesar de enormes feitos e de terem sido protagonistas em levantarem novamente o grito “abaixo a ditadura” participando de importantes eventos após 1976, o movimento acabou sendo suprimido por outros levantes que se mostraram mais relevantes, mas o documentário não é menos interessante devido a isso. É elogiável alguns esforços, como a entrevista de Antonio Palocci Filho, que estava em prisão domiciliar. A ausência de mulheres é perceptível dentre as entrevistas (de 20 "Libelus", apenas cinco foram mulheres ouvidas), mas isso é reflexo de baixa representatividade feminina em espaços políticos que perdura até hoje e creio que, mesmo com isso, o documentário buscou ouvir o máximo de vozes femininas.


“Libelu - Abaixo a Ditadura” é um documentário que resgata parte da história recente do Brasil e que ajuda a mostrar a força e coragem de jovens em meio a momentos turbulentos e inaceitáveis da ditadura militar brasileira. Com ele é possível que aflore em você certo gosto pela política, além de permitir a reflexão sobre as semelhanças tenebrosas com nossa atualidade política e cultural, que se exige mais do que nunca a necessidade de posicionamentos.


Créditos: Divulgação/ Boulevard Filmes


O documentário possui produção e distribuição da Boulevard Filmes em coprodução com o Canal Brasil, Globo Filmes e GloboNews e venceu o prêmio de melhor documentário nacional do Festival É Tudo Verdade 2020. A direção é do estreante Diógenes Muniz, que também é responsável pelo roteiro. Letícia Friedrich é a produtora-executiva. 


Com estreia marcada em plataformas digitais para o dia 27 de maio e no Canal Brasil em 20 de julho, o filme entrou em cartaz presencialmente nesta quinta-feira, 13 de maio, em cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Se for assistir o filme nessas cidades, lembre-se de usar uma boa máscara e manter distanciamento social. Abaixo, confira o trailer oficial.




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