Crítica | Alvorada


Filme documenta os momentos finais da ex-presidente Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada e mostra um lado da sua personalidade desconhecido por muitos, tudo enquanto a mesma enfrentava o impeachment que iria tirá-la do poder. 


Produzir um filme cujo objetivo é fugir da proposta de outras produções em andamento em volta do mesmo tema requer muita atenção para não haver narrativas parecidas ou até mesmo repetir cenas. Foi o que fez Alvorada (2020), dirigido por Anna Muylaert e Lô Politi, que decidiu mostrar o mais íntimo retrato da presidente Dilma Rousseff durante o processo do julgamento do seu impeachment, em 2016, desde o início até o encerramento do processo que tirou ela do cargo ao qual fora reeleita democraticamente em 2014. 


As sequências gravadas exclusivamente no Palácio da Alvorada, residência oficial de Dilma em Brasília enquanto presidente, mostram o fortalecimento, a tensão e, ao mesmo tempo, a tranquilidade de como a primeira presidente mulher eleita no Brasil enfrentou todo processo que fora aberto com claras motivações políticas e objetivos.


Indo além de apresentar uma face de Dilma que poucas pessoas tiveram oportunidade de conhecer enquanto ela se tornou figura pública sendo ministra no governo Lula e sucedendo o mesmo na Presidência, Alvorada se propõe também a mostrar como estavam os funcionários do palácio mediante todo aquele período, desde a cozinha até os guardas, mesmo sem estes terem vozes. Inclusive, há partes consideráveis do filme sem falas.


Créditos: Divulgação/ Vitrine Filmes

O ar melancólico que aparece por vezes com o jeito intimista que as cineastas optaram para retratar o filme, ajuda a impulsionar e a entendermos como que foi todo o processo sendo julgado no Congresso enquanto Dilma se articulava com assessores, ex-ministros e apoio político recebido nos momentos mais tensos. É interessante observar como a câmera foca no olhar de Dilma em muitas cenas, talvez para mostrar ainda mais as expressões que aquela forte mulher conseguia tinha para além de suas falas.


Em Alvorada, tudo foi acordado sobre o que era registrado. Obviamente questões de negociações ou reuniões importantes e confidenciais para apoios políticos não foram autorizados a serem gravados. Apesar disso, não acredito que perdemos a captação de como tudo caminhava. A própria presidente Dilma, de forma muito consciente, afirmou em certo momento que o registro do que acontecia ali no palácio, seria como ter sua própria versão na história contraponto o que estavam deturpando-a no Congresso, mesmo que eles saíssem dali vitoriosos ou derrotados (o resultado, todos já sabemos).


Para além de receber apoio dos mais diversos órgãos, vimos uma Dilma Rousseff aberta a abraçar a parcela da população que ela ainda tinha apoio, seja com reuniões, seja com o próprio acesso de organizações da sociedade civil ao palácio. No documentário também vemos bastidores de entrevistas exclusivas para veículos de imprensa, bem como entrevistas coletivas e reuniões com políticos.


Créditos: Divulgação/ Vitrine Filmes

Com o passar do filme, também fica evidente cada vez mais uma Dilma Rousseff fortalecida e com forte personalidade. Por exemplo, quando ela fala que a elite política brasileira tem o pensamento de que é diferente do povo que a elege; quando ela se questiona sobre o fato de algumas pessoas realmente acreditarem que ela não é humana (seria um robô); e até mesmo quando ela se impõe diante de figuras políticas masculinas estratégicas do seu governo e partido. 


A dinâmica que Alvorada se apresenta é de momentos intercalados com a presidente e imagens da área de serviços e seus trabalhadores. É evidente que o documentário não se utilizou de maiores recursos audiovisuais, não alternando ângulos de gravações nem mesmo muitas câmeras para captação de imagens. A impressão que ficou é que haviam apenas dois ou três equipamentos por ambiente e essa escassez de imagens com ângulos diferentes me dava certa agonia quando se gravava pessoas com a câmera voltada de baixo para cima ou de ângulos naturalmente desconfortáveis, mas isso pode ter sido apenas uma impressão minha. Já que, aliás, isso não é nada que possa atrapalhar a experiência de outra pessoa ao apreciar a obra que deve ter suas particularidades e marcas únicas. 


Créditos: Divulgação/ Vitrine Filmes


Alvorada acerta por conseguir humanizar ainda mais uma das figuras políticas mais injustiçadas da história recente brasileira e deve agradar aqueles que queiram se interessar pelos bastidores do período retratado. Por estar de forma exclusiva dentro do Palácio e ter como foco os registros dali, Alvorada cumpre seu papel de trazer uma documentação única e diferenciada do que fizeram outras obras gravadas no período do impeachment como O Processo (2018) e Democracia em Vertigem (2019), este indicado ao Oscar 2020 de Melhor Documentário. 


A finalização do filme, após o julgamento e retirada das coisas de Dilma do palácio, é extremamente significativa e poderia render uma obra que focasse mais nos funcionários “invisíveis”, ou melhor, sem vozes.


Distribuído pela Vitrine Filmes, o filme estreou nesta quinta-feira, 27 de maio, nos cinemas e nas plataformas de streaming Now, YouTube Filmes, Oi Play, Google Play e Vivo Play. Ele já havia sido exibido no 26º Festival É Tudo Verdade, que ocorreu virtualmente no mês passado.


O filme está em cartaz nos cinemas, se você se sente seguro para ir, prefira comprar os seus ingressos pelo site do cinema, e lembre-se de manter as mãos higienizadas e não esqueça de usar uma boa máscara no rosto o tempo todo.



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