Quando foi criada, há dez anos, por Silvia Cruz, a Vitrine Filmes tinha como objetivo preencher uma lacuna evidente. No começo dos anos 2010, o cinema brasileiro vivia um dos momentos mais vigorosos de sua história, mas parte dessa produção encontrava grandes dificuldades para circular. “Havia uma vitalidade na produção nacional, mas não havia distribuidoras que estivessem olhando para esses filmes”, diz Silvia. A entrada em cena da Vitrine representou uma contribuição definitiva para a consolidação de uma nova geração de cineastas e de novas companhias produtoras, ao criar oportunidades para obras que só vinham encontrando espaços em festivais.
Com um conceito curatorial coerente e por meio de iniciativas que não se limitaram aos métodos de distribuição convencionais, a distribuidora proporcionou que produções independentes e arrojadas, muitas vezes feitas por jovens realizadores e realizadoras fora do eixo Rio-São Paulo, alcançassem um público mais amplo, e que as produtoras de pequeno porte por trás desses filmes aumentassem suas possibilidades de receita. No ano passado, com o lançamento de Bacurau, essa visão atingiu seu ponto de maior maturidade e sucesso. Com uma campanha inovadora, que amplificou a excelente repercussão do filme no Festival de Cannes – de onde saiu com o Prêmio do Júri –, o longa de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles foi conquistando cinemas Brasil afora em um raro lançamento escalonado, até alcançar a marca de 730 mil espectadores.
Em dez anos, a Vitrine cresceu e se renovou, acumulando um catálogo de mais de 150 lançamentos e se afirmando no cenário audiovisual como uma das maiores distribuidoras independentes do país. Em 2019, os filmes distribuídos pela companhia atraíram mais de um milhão de pessoas aos cinemas; ao longo de sua história, já são mais de quatro milhões de espectadores, contabilizando apenas o público nas salas de cinema. Entre as ações inovadoras está a Sessão Vitrine, projeto voltado para a formação de público, com ingressos mais baratos e projeções acompanhadas de debates, e que também permitiu aos filmes uma maior permanência em circuito, em um mercado caracterizado pela alta rotatividade. A Sessão Vitrine já conta com cinco edições e continua entre as prioridades da distribuidora.
Após uma década de experiências acumuladas, a Vitrine Filmes se renova em várias frentes. A primeira delas é a entrada de um novo sócio, Felipe Lopes, que chega com a missão de contribuir para um novo ciclo de expansão e diversificação: “Vamos ampliar as vitrines. Multiplicar as possibilidades, trabalhar ainda mais a criatividade nas estratégias de distribuição para TV e vídeo por demanda. E, finalmente, ampliar a atuação para o triângulo produção, distribuição e exibição, com a disponibilização dos filmes em nosso novo site”, diz Felipe.
“Ampliar as vitrines”, portanto, significa também abrir uma janela própria de exibição, via streaming – uma ideia que surgiu pelas circunstâncias impostas pela pandemia do novo coronavírus, mas que chegou para ficar. “O site será reformulado e nosso catálogo estará disponível para aluguel”, conta Silvia. “Queremos também aproveitar para expandir a distribuição de curtas, que encontram no streaming uma ótima oportunidade”.
Outra frente de ampliação está na criação do braço internacional da distribuidora, a Vitrine Espanha. O primeiro lançamento foi Bacurau, e entre os títulos já assegurados está In The Dusk, de Sharunas Bartas, um dos destaques da competição de Cannes deste ano, além de “Vision Nocturna”, premiado primeiro longa da chilena Carolina Mosoro. A Vitrine Espanha não será um espelho absoluto da Vitrine brasileira, mas poderá haver títulos em comum. “Podemos realizar compras em conjunto de títulos internacionais, mas também poderemos lançar filmes que não serão trabalhados no Brasil, até porque alguns títulos podem estar disponíveis para a Espanha, mas não para o Brasil, e vice-versa”.
Em mais uma frente importante, a produção estrangeira ganhará espaço no catálogo da distribuidora no Brasil. “A Vitrine nunca deixará de ser uma empresa focada em filmes brasileiros, mas vai abrir mais portas para títulos internacionais, pois o mesmo fenômeno do surgimento de uma produção local independente forte e arrojada também ocorreu em outros países”, diz Silvia.
Os títulos internacionais foram destaques nos maiores festivais de cinema do mundo. Da programação da Berlinale 2020, a Vitrine lançará Los Lobos, de Samuel Kishi Leop (México), vencedor de dois prêmios da Mostra Geração, e Suk Suk, de Ray Yeung (Hong Kong), romance gay na terceira idade. A distribuidora também terá filmes da seleção do Festival de Cannes 2020: os franceses DNA, dirigido e protagonizado por Maïween, com Fanny Ardant e Louis Garrel; Gagarine, de Fanny Liatard, Jérémy Trouilh; e Slalom, de Charlène Favier; além do filme dinarmaquês aposta para o Oscar 2021 Druk (Another Round), de Thomas Vinterberg com Mads Mikkelsen.
As parcerias com companhias produtoras, que já vinham se desenhando desde que o Fundo Setorial do Audiovisual passou a exigir um contrato de distribuição para acesso aos recursos, se ampliarão com um mergulho mais profundo na etapa da produção. “Já estamos muito presentes nos filmes que distribuímos, desde o desenvolvimento do roteiro até o licenciamento para todas as janelas. Agora vamos ampliar essa parceria com a Vitrine atuando também com produtora de filmes”, conta Felipe.
Duas produções da Vitrine já podem ser anunciadas. Uma delas é o próximo longa-metragem da premiada diretora Maria Augusta Ramos, que tem como título provisório Justiça Sob Suspeita. Depois da grande repercussão de O Processo (2018), a cineasta volta sua câmera para a operação Lava-jato e seus desdobramentos até os dias atuais, com a crise durante a pandemia da Covid-19. Outro projeto confirmado é Hijas Del Fuego 2, de Albertina Carri, uma continuação do pornô-lésbico argentino de 2018, que arrancou elogios nos festivais por onde passou e foi lançado no Brasil pela Vitrine.
Para além das novidades, a distribuidora continuará respeitando sua identidade e os princípios que a acompanham desde o primeiro lançamento – o documentário Terras, de Maya Da-Rin –, em setembro de 2010. “Uma das marcas fortes da Vitrine é a curadoria, e essa marca continua. São filmes com uma preocupação estética e que refletem sobre questões atuais”, conclui Felipe.
Entre os próximos lançamentos nacionais estão Todos os Mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra, destaque da competição do Festival de Berlim de 2020, e a primeira ficção de Maya Da-Rin, A Febre, que deu partida a uma brilhante carreira internacional em 2019 com dois prêmios no Festival de Locarno, na Suíça (melhor ator, para Regis Myrupu, e o prêmio da crítica internacional) – um ciclo que se fecha e anuncia um outro, de novas e múltiplas vitrines.