Crítica | Tenet

Escrito por Adam William

Em tempos que “multiverso” vem se tornando uma palavra comum no entretenimento, é bem interessante ver o diretor Christopher Nolan brincando com seus próprios conceitos de tempo e universo, de forma muito mais simples, mas ainda fascinante. E se em O Grande Truque o diretor já havia dissecado o conceito de “ilusionismo” no sentido “mágico” da coisa, é quase como se agora ele resolvesse criar seu próprio truque de mestre em Tenet, uma das obras mais cinematográficas de sua carreira. Afinal de contas, cinema é ilusão e o que Nolan realiza aqui é um simples truque. Bem filmado, divertido e visualmente impressionante, mas ainda um truque.


A trama de Tenet não é nada elaborado como possa parecer. Na verdade, é relativamente simples: o protagonista vivido por John David Washington é um espião que precisa evitar uma possível guerra mundial cujo início pode ocorrer no futuro. Evitando dar quaisquer detalhes sobre a história, o que se pode dizer é que Tenet não é uma obra sobre viagem no tempo. Como deixam claro logo nos primeiros 20 minutos ou menos, quando uma personagem explica o conceito, chamado de “inversão”. E conclui a explicação com um enfático “não tente entender”. E de fato, este é praticamente um recado do diretor para o público, já que o espectador que tentar juntar as peças pode fazê-lo sem muitas dificuldades, basta um pouco de atenção.



Nolan é conhecido e até criticado por trazer explicações demais em suas obras e em Tenet essa mania cobra seu preço, já que é possível antever uma ou outra surpresa do desfecho. Entretanto, não é nada como a verborragia de Interestelar. O modo como o diretor constrói o filme é bem mais meticuloso e até esta mania de “explicar” soa muito mais elegante, evitando recorrer à diálogos e preferindo realizar uma boa construção de cenas até a performance do elenco para complementar as informações de forma subjetiva. Sem dúvidas, um aspecto mais do que acertado. E por sinal, o diretor com certeza estava se divertindo bastante ao brincar com a inversão, já que ele cria um bom número de sequências de ação bem distintas tiroteio, perseguição, luta corporal, etc que, ao serem pontuadas com o conceito, tornam-se cenas de ação como nenhuma vista antes.


Eis aí o trunfo de Tenet: o filme é para ser visto no cinema, na maior tela possível. Todas as sequências de ação são incríveis e assistí-lo em IMAX, por exemplo, eleva ainda mais a experiência. Destaque para o clímax do filme que não apenas é muito bem filmado como também é uma das sequências mais interessantes do cinema de ação em anos. Entretanto, cabe apontar sobre a insistência do diretor em lançá-lo tão cedo. Não fosse isso, mais pessoas poderiam ter a chance de prestigiar a obra como ela deve ser prestigiada, o que é uma verdadeira pena, já que mesmo comparado à outros filmes do diretor, Tenet é algo único. 



Apesar de apresentar cenas visualmente impactantes, o mesmo não se pode dizer da trilha sonora de Ludwig Göransson em sua primeira parceria com o diretor. Ainda que seja positivo ver Nolan formando novas parcerias Hans Zimmer compôs para seis dos últimos oito filmes do diretor, a trilha não é marcante, principalmente após o ótimo trabalho de som realizado em Dunkirk, última colaboração da dupla até então.


Há, entretanto, um aspecto que se sobressai negativamente na obra. Christopher Nolan é um diretor de renome para a Warner e seus roteiros nunca são óbvios, sempre trazendo conceitos ou abordagens novas. Dessa forma, apesar de Tenet entregar um espetáculo visual tal qual esperado do diretor, fica a sensação de que faltou ousadia na parte narrativa. De fato, excetuando a parte da inversão, a trama não é muito diferente de uma meia dúzia de filmes da franquia James Bond, inclusive utilizando arquétipos clássicos de filmes de espionagem, como o protagonista que joga pelas regras, o parceiro que cuida dos gadgets e contatos, a mulher fatal e o vilão estrangeiro. Fica a torcida de que no futuro Nolan crie histórias à altura de conceitos tão fora da caixa como os conceitos que ele adora criar.



Tenet se atrapalha quando surge nos cinemas em meio à toda expectativa criada em cima deste, seja pelos nomes envolvidos além de Christopher Nolan, há um elenco de peso que está muito bem, mesmo com um roteiro que exige dramaticamente pouco, seja por ter sido a promessa de ser um dos grandes filmes do ano após inúmeros adiamentos. Mas tem um mérito muito significativo, pois em um ano dominado pelos streamings, é um filme mais que bem-vindo por lembrar ao público o valor de uma sala de cinema, que pode render experiências únicas como esta. 


Nota ⭐⭐⭐ 3.5/5




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