Carta aberta em defesa da liberdade artística e ao direito ao humor


Os chargistas, caricaturistas, desenhistas e ilustradores de todo o Brasil, que subscrevem esta carta aberta, manifestam sua solidariedade aos colegas, vítimas da intolerância e da perseguição política, assim como protestam contra a violência daqueles que procuram censurá-los.

O desprezo pela democracia dos nossos governantes chega ao ponto do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, por meio do seu ministro da Justiça, André Mendonça, solicitar à Polícia Federal e ao Ministério Público a abertura de investigação sobre uma charge de autoria de Aroeira. A imagem, uma clara alusão à ausência de políticas sanitárias em plena pandemia causada pelo vírus da Covid-19, mostra uma cruz vermelha (símbolo da saúde) transformada em uma suástica pelas mãos autoritárias do presidente. O absurdo da iniciativa fica evidente quando sabemos que “o pedido de investigação leva em conta a lei que trata dos crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, em especial seu art. 26”. O Brasil está se tornando um país onde o humor passa a ser censurado como nos piores períodos da ditadura. O que é mais estarrecedor: uma charge ou pessoas atirando fogos sobre o STF? Esta uma ação que, sim, mereceria a atenção do ministro da Justiça.

Como se isso não bastasse, os desenhistas Laerte, João Montanaro, Alberto Benett e Cláudio Mor estão sendo interpelados na Justiça pela publicação de cinco charges críticas à violência policial. Apresentada em dezembro de 2019, no jornal Folha de S. Paulo, os trabalhos despertaram a ira da Associação de Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar, Defenda PM, que entrou na Justiça com pedido de esclarecimento criminal, pois as considerou “constrangedoras”.

A função de toda boa charge é a de, através do humor, refletir e comentar por meio do desenho os acontecimentos de interesse do cidadão. A charge não é uma criação do nada, mas sim o termômetro do que o povo fala pelas ruas.

Portanto, é descabida a afirmação de que uma charge possa ser “constrangedora”, quando o que deve constranger e chocar a opinião pública é o fato que a gerou. Sabemos que ao longo da história, diversas charges, cartuns e caricaturas resultaram em perseguição e represália aos artistas que as criaram, o que atesta a dimensão que o humor pode alcançar na sociedade.

Assim sendo, protestamos contra qualquer tentativa de cercear a liberdade artística, de imprensa, de consciência e o trabalho dos chargistas brasileiros que, por meio do traço, ajudam na construção de um país mais justo e solidário.

 
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