Considerado o principal evento sul-americano dedicado à música exploratória e à vanguarda sonora, o Novas Frequências desenvolve, em sua 9ª edição, o maior número de apresentações inéditas, criadas especialmente para o festival, de sua história. Entre os dias 1º e 8 de dezembro, 29 atrações de 14 países se apresentam em uma programação diversa – que inclui shows, performances, instalações, cortejos, caminhadas sonoras, residências artísticas, palestras, oficinas, projetos comissionados e site specific – distribuída nos espaços Centro Cultural Oi Futuro, Lab Oi Futuro, MAM - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Casa Taura Santa, Cine Joia, Feira de São Cristóvão, Desvio, Solar dos Abacaxis, CIEP Presidente Tancredo Neves e Igreja do Largo do Machado.
Sempre organizado a partir de um tema conceitual chave, a 9ª edição do Novas Frequências se articula desta vez completamente “fora do palco”. O objetivo principal é expandir os horizontes da música ao vivo e, consequentemente, ampliar as formas de escuta. Em outras palavras, a proposta é reconfigurar a noção e a expectativa do que é uma apresentação musical, desconstruindo as relações entre espaço, plateia e artista. Segundo o curador e diretor-geral Chico Dub, “o Novas Frequências vem elaborando nos últimos anos propostas fora da curva, em um processo de re-significar as relações artísticas com a cidade, transformando-a no verdadeiro palco do festival. O que era exceção dentro da programação do festival virou regra este ano. Se, a partir de John Cage, tudo é música, porque confiná-la em palcos de casas de show, salas de concerto ou pistas de dança? Não deve haver limites para a música – até mesmo em função da popularização dos reprodutores de mídias portáteis como os smartphones. Carregamos a música conosco para qualquer lugar, portanto, nada mais justo que o mesmo aconteça com a música ao vivo.”
Fruto da parceria entre o curador Chico Dub e a gestora cultural Tathiana Lopes, o Novas Frequências surgiu em 2011 sempre à procura de artistas que rompem com fronteiras pré-estabelecidas em busca de novas linguagens sonoras. Para o festival, a exploração dos limites do som tem mais relevância do que gêneros e estilos musicais – o que o torna muito mais próximo da arte contemporânea do que da música como entretenimento. Em relação ao seu line up, o Novas Frequências só realiza apresentações inéditas no país. No caso de artistas nacionais, a curadoria prima por apresentações que nunca ocorreram antes no Rio – seja trazendo artistas de outros estados que ainda não tocaram na cidade ou propondo performances comissionadas para artistas residentes.
Espécie de grito/manifesto em função de uma música 360º espalhada por todos os cantos da cidade, o festival, sob o tema “Fora do palco”, oferece ao público em 2019 jantares harmonizados a partir das frequências dos chakras; apresentações de música acusmática inspiradas nas encruzilhadas da cidade; filmes de artista; trilha sonora para ser escutada em fones de ouvido durante percurso a pé; parcerias inéditas entre artistas do som e da dança/performance; concertos guiados por sons ambientes da Amazônia, Rio de Janeiro e Serrinha do Alambari; intervenção – em movimento – em uma Kombi de feira; cortejo de ruído pelas ruas do Centro; uma ocupação de dois dias no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro dentro da exposição de arte com curadoria de Chico Dub “Canção Enigmática – relações entre arte e som no acervo do MAM-RJ”.
O pontapé inicial do #NF2019 se dá com uma homenagem a duas lendas da história da música eletrônica – a francesa Éliane Radigue e a argentina Beatriz Ferreyra. Respectivamente com 87 e 82 anos, Radigue e Ferreyra trabalharam nos estúdios eletroacústicos da França nos anos 50 e 60, posteriormente desenvolvendo carreiras sólidas que pavimentaram e influenciaram diversas gerações. Radigue será representada pelo percussionista italiano Enrico Malatesta, que toca uma obra de seu repertório especialmente escrita para ele. Já Ferreyra se apresenta pessoalmente em um desenho sonoro espacializado através de oito caixas de som.
Seguindo a tradição de apresentar os maiores nomes do experimentalismo contemporâneo, chega a vez, finalmente, de Oren Ambarchi. Australiano radicado em Berlim, capa da edição de setembro da revista The Wire (a principal publicação de música experimental do mundo) e parceiro, dentre inúmeros outros, de Stephen O’Malley e Keiji Haino, Ambarchi cria técnicas expandidas para guitarra e localiza-se entre várias escolas: eletrônica, improvisação, minimalismo, rock e música contemporânea. Quem abre seu show, programado para acontecer no CIEP Presidente Tancredo Neves, é a dupla austríaca Schtum. Munidos de baixo, guitarra e de um arsenal de efeitos, os dois transitam entre o acústico e o eletrônico, deformando e descontextualizando seus instrumentos em função da arquitetura e da acústica onde se encontram.
Outro nome de peso na programação (e também australiano) é Lawrence English, sumidade em práticas ligadas à arte sonora, música ambiente e gravações de campo. Especialmente para o NF, English irá recorrer ao seu banco pessoal de sons para criar uma performance multicanal exclusivamente dedicada à Amazônia. O tema da natureza e das gravações de campo, ainda que misturadas a questões urbanas, também estão presentes nos trabalhos da americana Lea Bertucci e do inglês Tim Shaw – respectivamente ligados ao Rio de Janeiro e à Serrinha do Alambari – e desenvolvidos após residências artísticas. Já os holandeses Philip Vermeulen & Mischa Daams, através de uma instalação de luz e de som, “pintam” o ar em meio ao ambiente arquitetônico /paisagístico.
A cidade do Rio, principalmente os entornos dos bairros do Flamengo, Largo do Machado, Laranjeiras, Catete e Glória, é uma das marcas registradas do #NF2019. Com duração de aproximadamente 80 minutos e feita para ser escutada em fones de ouvido durante um percurso específico dentro dos bairros mencionados, a peça inédita da canadense France Jobim e da carioca Bella é um convite a uma escuta profunda da cidade. Bartira, brasileira radicada na Itália, ressignifica a Kombi do ferro-velho (da pamonha, da feira) e cria uma intervenção sonora móvel que explora elementos sônicos inerentes ao Rio. Já André Damião & Gabriel Francisco Lemos, munidos de objetos ruidosos portáteis e caixas de som customizadas e ambulantes, saem em cortejo pelo Centro tal como se estivessem num bloco de carnaval. A diferença é o som: sai o samba, entra o noise. Finalmente, o Teatro do Centro Cultural Oi Futuro recebe a Encruzilhada, misto de instalação sonora e performance de música acusmática (composta especialmente para ser apresentada via alto-falantes, em oposição a uma performance ao vivo) das artistas Bianca Tossato, Fernanda Paixão, Natália Carrera e Rebecca Nora. Serão explorados a espacialidade, as texturas, os movimentos e os acontecimentos sonoros da cidade a partir do som captado em encruzilhadas do Rio de Janeiro.
Se em anos anteriores o Novas Frequências se fez presente em espaços alternativos da cidade como a Audio Rebel, o La Paz e o Aparelho, não poderia faltar em 2019 o Desvio. Misto de café e bar com programação artística diária, o Desvio criou, em colaboração com o NF, uma programação especial com atrações-símbolo do espaço: Cainã, Natural Nihilismo, Encarne (Sanannda Acácia x Olivia Luna), Kenya e uma atração surpresa que só será divulgada horas antes do evento.
Rua e espaços alternativos de um lado, instituições de arte do outro. As atividades programadas para o Museu de Arte Moderna, o MAM-RJ, buscam de alguma forma se relacionar com aspectos da arte sonora e de outras mídias, como as artes visuais, a dança, e performance. Formado pelas japonesas Rie Nakajima e Keiko Yamamoto, o duo O Yama O mistura poesia falada com orquestras construídas a partir de objetos encontrados em contato com pequenos circuitos elétricos. Luigi Archetti, compositor e designer de som italiano radicado na Suíça, toca uma peça de 7 horas de duração para guitarra em meio a partituras gráficas de sua autoria. Com seus drones em escala de cinza e som estático, NULL nos convida a observar o mundo das salas de espera em que passamos nossos dias. Martina Lussi, jovem artista emergente suíça, traz para o museu uma instalação, Composition for a Circle, onde o caminhar do público em volta de um círculo de luz gera um espaço físico e mental de concentração aumentada. Em um projeto criado pelo Novas Frequências em uma parceria com o festival alemão CTM e o francês Maintenant, o trio formado pela polonesa baseada em Berlim Zorka Wollny e os franceses NSDOS e Loïc Koutana (da banda Teto Preto) desenvolve uma ação performática em colaboração com artistas locais para discutir questões ligadas à imigração e a crise dos refugiados.
Destaque importante de ser mencionado são os comissionamentos a jovens artistas cariocas, ambos propostos para o MAM. O músico Joaquim Pedro dos Santos (Radio Lixo, Pscina, Jonnata Doll) se apresenta com Aleta Valente, também conhecida como Ex Miss Febem, em um projeto que utiliza audios de WhatsApp com intervenções sonoras e mixagem ao vivo. A artista Maria Noujaim criou uma performance com bolas que ditam ritmos e jogos corporais junto com Savio de Queiroz, também membro da banda Teto Preto. Outra estreia que simboliza o flerte do NF com outras formas artísticas é Abalo, o primeiro trabalho em vídeo da artista plástica Chiara Banfi. Após filmar diversas cenas que remetem a partituras, Banfi comissionou trilhas para artistas como Pedro Sá, Diogo Strausz, Pedro Bernardes, Kassin, Mario Caldato, Thiago Nassif, Nave e Natália Carrera.
Os mineiros Daniel Nunes e Leandro César se apresentam na Igreja do Largo do Machado, num encontro entre música popular e cantos ancestrais através de instrumentos construídos e espacialização sonora. Quem encerra a noite, certamente fazendo evocar o mítico concerto de William Basinski na Igreja da Lapa em 2017, é Sarah Davachi, compositora e pianista canadense com influência minimalista profundamente enraizada na mística tradição da músicas.