Filme de Walter Salles sobre a tragédia de Mariana é exibido pela primeira vez na TV


No dia 5 de novembro de 2015, ocorria a maior tragédia socioambiental da história do Brasil, até aquela data:  o rompimento da barragem da Samarco sobre vários povoados de Minas Gerais. Um rio de lama varreu vilarejos como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, no entorno de Mariana, e espalhou-se por mais de 600 km, destruindo o ecossistema do Rio Doce e deixando centenas de desabrigados, 19 mortos e uma pessoa desaparecida.

Para relembrar os quatro anos da tragédia, o Canal Brasil exibe, dia 5, às 21h50, o inédito “Quando a terra treme”, curta de ficção dirigido por Walter Salles.

Produzido pela VideoFilmes e rodado no local do desastre em 2017, “Quando a terra treme” faz parte de “Where has time gone?”, filme coletivo produzido pelo cineasta chinês Jia Zhang-ke, exibido na Mostra São Paulo em 2017, que conta ainda com curtas da Rússia, Índia, África do Sul e China. O longa-metragem foi selecionado por mais de vinte festivais internacionais e lançado em diversos países do mundo.

“Quando Jia Zhangke me convidou para realizar um curta que fosse um retrato do nosso tempo, no Brasil, pensei imediatamente no rompimento da barragem de Mariana”, diz Walter Salles. “Não era somente o maior crime ambiental da história do pais, mas também um retrato da gritante impunidade brasileira. Vidas foram ceifadas, vilarejos destruídos, e milhares de pessoas perdiam ali a relação de pertencimento com o local onde moravam. Pensamos nas memórias soterradas pela tragédia, nos laços de afeto que se desfaziam brutalmente, naquelas vidas que seriam modificadas para sempre. O fato de que um corpo nunca foi encontrado nos permitiu construir a ideia central de “Quando a Terra Treme”:  numa família de três pessoas profundamente unidas, o que acontece quando uma delas desaparece na tragédia?  O filme fala de um tema que reverbera em longas que realizei, a ausência da figura paterna, mas aborda também outros:  o tempo cura, ou não, a ausência de alguém?  “Quando a Terra Treme” fala de dor, mas também de saudade e esperança”, complementa o diretor. 

A atriz Maeve Jinkings, no papel principal, vive Luciana, professora que após perder tudo no rompimento da barragem e ter seu marido na lista de desaparecidos, tenta superar o trauma ao lado do filho Guto, que ainda guarda esperanças em ter o pai de volta. Dia após dia, Luciana e Guto tentam se adaptar às condições adversas de uma vida pós-desastre, nutrindo expectativas e desejos diferentes, e que os mantêm vivos. Sozinhos e habitantes de uma terra arrasada, eles precisam reaprender a viver do zero, e usar a dor para curar a dor. 

“Construir Luciana foi além de qualquer experiência prévia.  Ali eu conheci a tragédia, o absurdo.  Diante da destruição, nos apoiamos nos relatos orais dos sobreviventes. Muitos estavam deprimidos. Diante da imaterialidade de suas antigas vidas, a memória era uma forma de resgatar suas identidades. Imagine um município ser em grande parte destruído, de um dia pro outro, e todas as suas referências afetivas, suas paisagens, sua rotina, virarem lama e ruína em poucas horas?”, relembra Maeve.

O vasto material gravado por Walter Salles e sua equipe, que serviu de pesquisa para alimentar o roteiro de Gabriela Amaral  Almeida, rendeu também o documentário “Vozes de  Paracatu e Bento", que reúne depoimentos dos habitantes de Paracatu e de Bento Rodrigues.

“Quando a Terra Treme” foi realizado de forma coletiva.  Tivemos a sorte de contar com dois atores extraordinários, Maeve Jinkings e Rômulo Braga, e com não-atores que haviam vivido nos vilarejos atingidos, e conheciam aqueles eventos como ninguém.  Realizei “Central do Brasil” e “Diários de Motocicleta” buscando essa alquimia, mas no caso de “Quando a Terra Treme”, os não-atores não só nos guiaram, mas nos inspiraram constantemente.  Ficamos tão marcados pelas pessoas que conhecemos, que acabamos rodando um documentário reunindo depoimentos dos atingidos de Paracatu, onde filmamos, e Bento Rodrigues.  Para deixar uma memória oral da tragédia, na voz daquelas pessoas cujas vidas foram violentamente alteradas. Paula, Tcharle, Romeu.....cada relato ecoava mais fortemente do que os outros”, conclui Walter Salles.

“Vozes de Paracatu e Bento” foi exibido na GloboNews em  agosto de 2018, e realizado em parceria com a emissora. Em junho de 2019, ficou entre os 3 finalistas do “One World Media Awards”, prêmio jornalístico que distingue documentários sobre questões ambientais na Inglaterra.

“Não se fala mais dos sobreviventes de Mariana. Suas tragédias foram soterradas por outros horrores dos últimos quatro anos de Brasil. E veio em 2019 o rompimento da barragem de Brumadinho, o maior acidente humano e ambiental da história do nosso país. Uma tragédia exaustivamente anunciada. Me pareceu incompreensível ver aquilo acontecer, todos os depoimentos repetidos, como se tudo dito e gritado em 2015 não tivesse som. Como se a narrativa do absurdo estivesse ainda lá, presa debaixo de lama”, lamenta Maeve Jinkings. 
Postagem Anterior Próxima Postagem