Com o objetivo de ler as miudezas de pessoas que poderiam passar despercebidas no dia a dia, o escritor, artista de múltiplas linguagens e produtor cultural Rafa Carvalho (1985) usa de sua composição de vidacaótica, como ele mesmo a descreve, para tecer as 17 histórias que se unem no livro Contas de Mar, publicado pela Pontes Editores e com lançamento previsto para domingo, 17 de fevereiro, às 15h, na Livraria Martins Fontes (Av. Paulista, 509). No lançamento, além de conversas com o público, Rafa promoverá pequenas intervenções cênicas com participações surpresas e artistas convidadas.
Na obra, sucessora do seu livro de poemas auto-mar, Rafa observa personagens invisíveis do dia a dia, investigando profundamente suas ações, posicionamentos e modos de lidar com as experiências de vida. Em comum, todos os contos se passam em locais próximos ao mar – há uma espécie de mito marinho, apresentado no início do livro, que torna cada um dos contos a conta de um colar, conceito presente na estrutura do texto e também ao projeto gráfico da obra, em que um fio vai perpassando, uma a uma, suas pérolas.
“A ideia é flur à dificuldade de se trabalhar com os detalhes, as coisas miúdas e simples – dores, frustrações, recomeços – até se chegar ao fim de um processo complexo, com esse colar no peito”, diz Rafa. Ainda que o mar seja a paisagem de todas as histórias, a obra é essencialmente uma discussão humana – dos seres comuns e ao mesmo tempo diversos que fazem o mundo. Contas de Mar apresenta histórias de amor e afeto impedidas por limitações, sejam elas emocionais ou sociais.
Tudo isso tomou proporções muito maiores para Rafa, que durante o processo de escrita do livro, acompanhou a gravidez de risco do seu primeiro filho. E que ao final, pôde ter a sua própria história interrompida.Contas de Mar foi escrito em três imersões por cidades litorâneas brasileiras: São Vicente/SP; Serra/ES; e Aracaju/SE. Logo que chegou à capital sergipana, Rafa teve um revólver disparado em sua direção, numa situação de violência urbana, exatamente à beira-mar. “Uma sorte seguir tendo um peito, depois de uma arma apontada pra ele, disparada tão de perto. Ainda ter um peito, pra poder deitar meu filho”.
O livro, bem como o restante de sua obra, num trajeto que inclui circo, música e performances diversas, não se pauta por movimentos estéticos ou estilísticos específicos. Segundo o autor, seu processo de criação não faz distinção entre as diversas linguagens artísticas. “Minha relação com a literatura veio da oralidade, do base cultural humana de contar histórias, coisa que faço por todas as vias possíveis”, conta, ressaltando que a temática do mar, por exemplo, também é explorada em canções e performances criadas anteriormente.
Para Rafa, Contas de Mar exige uma participação ativa do leitor. “Meu estilo é pautado no ritmo, um mote para a prosa que vem de minha pesquisa com tambores da nossa ancestralidade indígena e africana. O compasso a que o leitor decidir ler o livro irá criar um entendimento diferente do que está sendo dito”, afirma Rafa. O recurso ganha força por sua escolha de não usar pontuações, exceto pontos finais que por sua vez têm uma codificação própria, e não a função de sistematizar os fins de frases. “É um livro sobre as miudezas, sobre o que está intrínseco no grão de areia”, completa.
Rafa também foi finalista do Prêmio Sesc de Literatura de 2018, recentemente, com outro título de contos, Roxo Seco, sem ainda prever como ou quando irá publicá-lo. Neste, as paisagens surgem muito mais interioranas, nada marinhas. Embora ambos tenham dessa mesma escrita. Inaugurada pela prosa, cheia de poesia, e muito própria do autor.
Em suas empreitadas artísticas, Rafa já passou por mais de 20 países onde desempenhou diferentes trabalhos com arte e educação. Suas expedições incluem turnês circenses na Argentina e Suíça, musicais na Turquia, Portugal e Alemanha, bolsa de estudos na Dinamarca, projeto educacional pelo Japão, festivais literários em África, América do Sul, além de um projeto recente, de residência artística na Ilha de Creta.