Nanette Blitz Konig, colega de Anne Frank fala das memórias do Holocausto


A autora do livro “Sobrevivi ao Holocausto”, Nanette Blitz Konig, ministrou uma palestra na Câmara municipal de Embu das artes  no dia 12 de junho. A atividade é promovida pelo projeto da Viviane Cajaiba professora de  Historia, onde busca oferecer para alunos da rede publica sobre o assunto.


Nanette Blitz Konig é conhecida por ter sido amiga da escritora judia Anne Frank, morta no campo de concentração Bergen-Belsen. Em seu best seller, Nanette descreve detalhes do que enfrentou no campo de concentração alemão.
Radicada em São Paulo desde 1950, Nanette demorou a sentir-se segura para contar ao mundo o que passou no campo de concentração. Só em 2015, 70 anos após o fim do Holocausto, publicou suas memórias sobre o que testemunhou do outro lado do Atlântico.



Nanette Relata – Era uma vida normal. Em 1940, os alemães invadiram a Holanda, que até então imaginou que ficaria neutra durante a guerra. Dias depois, ao vê-los marchando pelas ruas, olhei para os meus pais e percebi que nossas vidas mudariam do dia para a noite. Sabíamos da antipatia perante a comunidade judaica, mas não imaginávamos o que nos esperaria.

Nanette – Westerbrok era um campo de transição que era pura enganação. A vida lá era insuportável. E pensávamos que para onde quer que fôssemos deportados, a situação seria a mesma. A comunidade já estava a par dos campos de extermínio e ninguém acreditava que seria levado para um campo de trabalho forçado. Porém, ninguém sabia como eram estes lugares na realidade.


Nanette – Ao chegar à estação de trem percorremos todo o caminho até o campo a pé. E esse trajeto era acompanhado de cães raivosos, treinados para atacar, e guardas igualmente agressivos. Era uma repressão tremenda, então já tínhamos uma ideia do que aconteceria.



Nanette – Não tinha dia a dia. Em casa, você acorda, vai ao banheiro, toma o seu café da manhã. Lá, não tínhamos nada disso, apenas latrinas. Às vezes, eu passava horas em pé, ouvindo ameaças e apenas aguardando o fim da contagem.

Nanette – Sei que ela chegou ao campo em novembro de 1944 e eu não podia me aproximar, pois estávamos em locais diferentes. Nessa época, Bergen-Belsen não podia alojar mais ninguém, então passaram a armar tendas e separá-las com arame farpado. As vi (Anne e sua irmã Margot) pela primeira vez em janeiro de 1945, mas não pude me aproximar.

Um dia removeram os arames. Nessa época, eu sabia de deportações de prisioneiras e também sabia que Anne e Margot estavam debilitadas demais para serem levadas de lá. Então procurei por elas e encontrei Anne enrolada em um cobertor, pois já não aguentava mais os piolhos nas roupas. Ficamos muito emocionadas.

Sobre o tempo antes dos campos, Anne me contou a respeito do esconderijo onde viveram e como não podiam fazer qualquer barulho. Isso deve ter sido um tormento para ela, que era uma menina muito vivaz. Ela já não era a mesma Anne de antes e eu não era a mesma Nanette. Havíamos passado por muita coisa.

Ainda as vi em uma barraca para doentes, mas não estava lá quando morreram, em março. Uma pena, pois em 15 de abril os britânicos entraram no campo. 


Nanette - Os nazistas não sabiam mais o que fazer com o campo, que estava em uma situação abominável, e queriam trocá-lo por posições melhores para os britânicos, que, por sua vez, não sabiam o que acontecia de verdade no local.

Primeiro entrou a equipe médica, que encontrou uma situação que jamais imaginou. Ora, ninguém imaginava. Anos depois de tudo isso, eu mesma ainda me pergunto como foi que sobrevivi.

Eu pesava 30 quilos. Quando anunciaram a nossa liberdade, eu não tinha forças para ir para canto algum e nenhuma perspectiva. Eu não sabia onde estava a minha mãe ou meu irmão. Não imaginava o que o futuro me traria.

Eu tive tifo depois que os britânicos entraram no campo. Eles tomaram o controle de uma escola nas redondezas para onde levaram quem podiam transferir. Queriam esvaziar o campo, assim como se faz depois de uma batalha: você socorre quem consegue e depois volta para tentar salvar os outros.

Nessa altura, as pessoas tinham formado grupos e não queriam se separar. Mas eu não tinha um grupo, então imagino ter sido uma das primeiras pessoas transferidas. Lembro-me de chegar até a escola, mas não consigo lembrar como isso aconteceu.

Os judeus, conta a sobrevivente, inicialmente eram vigiados por policiais holandeses. Não pelos alemães. A segregação da comunidade foi facilitada porque burocratas da prefeitura de Amsterdã cadastraram a população judaica. Desde então, cada judeu tinha de carregar estrela de Davi amarela costurada na roupa para ser identificado – um rótulo infame. “Era perigoso andar assim nas ruas.”

Nanette – Foi difícil, mas veja, temos uma palavra em hebraico que é “chaim” e ela supera qualquer coisa. É a vida que é tão preciosa que você não pode descartá-la. Em agosto 1945, quando soube que era única pessoa da minha família a ter sobrevivido, sem saúde e sem dinheiro, fiquei desesperada. Mas em seguida me dei conta de que tinha que assumir uma vida que eu não queria, mas eu não tinha outra opção.

Claro que levou tempo para me recuperar. Demorou ainda mais, pois parentes que viviam no Reino Unido não permitiam que eu falasse sobre o assunto. Eles viveram uma vida normal.

Sozinha e sem um lar para voltar após o fim da guerra, Nanette virou adulta no sanatório em que ficou por três longos anos para se curar da tuberculose que contraiu no campo de concentração. Podia ter enlouquecido. Mas decidiu seguir adiante. “Tinha de continuar a minha vida do melhor jeito que podia.” Casou. Mudou-se para o Brasil. Teve filhos. Netos. Voltou a estudar.


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